terça-feira, 7 de junho de 2011

* VÁ RAPÁ SINOU!


Durante o inverno de 2003, bravo por sinal, eu estava conversando com o Arruda, um senhor já de idade, baixinho, cara rugosa, aliás o Arruda tinha tanta ruga na testa que o boné dele era de rosca! Ele era meu vizinho na Hope Street e morava sozinho. Um ranzinza solitário! Ele morava no primeiro andar e eu no segundo.


Eu soube que ele trabalhava com Landscape (jardins e gramados), que dava uma grana legal... coisa de 15 a 20 dólares a hora. Então eu fui conversar com ele e já de cara o velho problema: entender esse catso de sotaque açoriano! Pra começar, o Arruda era tão mal humorado que quando você dava bom dia pra ele, a resposta que vinha era uma espécie de grunhido vocálico que soava mais como uma ofensa do que como um cumprimento. A sensação era de que, em vez de dizer bom dia, eu tinha xingado mãe dele! Mas tudo bem... abordei ele na escadinha da entrada do prédio, onde ele ficava quando estava de folga. Ele sempre ficava lá, paralisado, olhando o nada...


___ Oi “seu” Arruda... trabalhou muito hoje?


___ Eshta pôr de temp qui nu milhor... (esta porra de tempo que não melhora!) ___ respondeu ele ignorando minha pergunta.


___ Mas você trabalhou hoje?


___ Sótémeidí!


___ Solta... made... ___ tentei deduzir alguma coisa... uma mistura de açoriano com inglês... sei lá!


___ Sótémeidí!!! ___ insistiu ele já franzindo tudo quanto era ruga na cara... ___ tu cortash o dí pelo mei... o que tu tensh? (Tu cortas o dia pelo meio e o que tu tens?)


Aí eu entendi. Meio-dia, porra! Sótémeidí é Só até o meio-dia! Eles nunca falam o finalzinho das palavras. Acho que é preguiça...


___ Escuta, Arruda... tem uma vaga pra mim lá no seu trabalho?


___ Têquitêgricar! Ush papé... tu tensh papé? (Tem que ter green card! Os papéis... tu tens os papéis?


___ Não! Não tenho, Arruda... e eu estou preocupado. Com o inverno aí... fica difícil arrumar emprego.


___ Vá rapásinôu!


Essa me ferrou! Nem com um avançado curso de sotaques exóticos daria pra entender de prima... aliás a princípio eu pensei que ele estivesse me mandando embora... Vá rapaz senão... sei lá! Mas eu insisti...


___ Desculpe, Arruda... não entendi!


___ Vá rapásinôu! ___ novamente todas as rugas e mais algumas saíram pra fora da pele dele... os olhos arregalados quase saindo da caixa...

___ Eu continuo não entendendo... o que é isso?


___ Sinôu... sinôu... ___ disse quase gritando, porque açoriano adora falar gritando ___ ...tu nu sabesh uquié sinôu?


___ Não! Não sei o que é sinôu! ___ aí eu é que já estava puto!

Ele revirou os olhos para cima como quem diz... Ai que burronho este gajo!


___ Quandi chigauivér... o quiqui caiducé?
 Ai meu Deus! Fico olhando ele com cara de peido...

___ U quiqui cai ducé?...___diz ele apontando pra o alto.
 Aí caiu a minha ficha... o que que cai do céu...

 ___ Tá! Tá legal! O que que cai do céu?

 ___ Cai u sinôu! Percébesh? Nuivér cai u sinôu!

Sinôu... sinôu... fico pensando rapidamente. Que catso é isso... sinôu... será que é uma metáfora? Será que ele está querendo dizer sinos?


 ___ Nuivér fash fríi... e aí cai o sinôu! ___ berrou ele apontando o chão.


Puta que pariu!!! Entendi!!! No inverno faz frio... e aí cai o sinôu!!! Sinôu!!! Ele estava querendo dizer SNOW, que é neve em inglês. No inverno faz frio, cai neve e ele estava me sugerindo que eu fosse rapásinôu... ou seja, “raspar snow” com uma pá da frente das casas e aí faturar uma grana.


Meu... eles misturavam inglês com português e faziam uma verdadeira salada linguística. Nunca mais conversei com o Arruda por mais de dois segundos. Só os bundí e os buatar e olhe lá!

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